TESTAMENTO PARTICULAR: DISPOSIÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE EM TEMPOS DE COVID

TESTAMENTO PARTICULAR: DISPOSIÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE EM TEMPOS DE COVID

Muita coisa mudou em nosso cotidiano em função das restrições impostas pelas medidas de enfrentamento à COVID-19.

O sistema de direito privado que rege nosso atos jurídicos cotidianos tem desafiado inúmeras reflexões.

Descortina-se um panorama diverso daquele até hoje vivenciado…

O desejo de planejar a sucessão hereditária está presente no íntimo de muitas pessoas.

A maior longevidade da população brasileira e o fenômeno sempre crescente das famílias recompostas são fatores que muito contribuem para a necessidade de um planejamento sucessório.

A partir do planejamento da sucessão hereditária, objetiva-se evitar conflitos, assegurar que aspirações fundamentais da vida da pessoa sejam executadas após o seu falecimento, garantir a continuidade de empresas e negócios, permitir uma melhor distribuição da herança entre os sucessores, bem como buscar formas de gestão e de transmissão do patrimônio que tenham a menor carga tributária possível.

A questão que se apresenta, então, é a relacionada ao testamento válido em tempos de isolamento social.

A elaboração do testamento no Direito brasileiro exige, em regra, algumas formalidades, como a presença de testemunhas que atestem que a declaração de última vontade se deu de forma livre e consciente.

Há modalidades diversa de testamento previstas no ordenamento jurídico.  Entre elas, o Código Civil admite um caso especial de testamento particular.

Porém, são recomendados alguns cuidados…

O artigo 1.879 do Código Civil prescreve que, “em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz”.

Não há dúvidas de que a declaração de pandemia por Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde com a recomendação de isolamento social é uma situação de circunstância especial que justifica a iniciativa de elaborar um testamento sem a possibilidade das suas formalidades de praxe.

Uma pessoa que sente necessidade de deixar registradas suas disposições de última vontade e está em situação de isolamento social pode fazê-lo sem a necessidade de testemunhas.

Caso se decida pela elaboração do testamento na modalidade do art. 1.879, é necessário que o declarante tenha o cuidado de fazer constar que o testamento foi elaborado no contexto da pandemia, anotando, se possível as razões preponderantes de seu isolamento. Esta cautela é ainda mais relevante quando não há risco de morte iminente, mas tão somente uma preocupação com doença que avança.

O testamento particular deve ser feito, segundo a lei de próprio punho e assinado pelo testador. Há, atualmente, entendimento acerca da admissão de que o testamento seja produzido mediante processo mecânico.

As testemunhas são indispensáveis, salvo justificando-se que o  declarante esteja completamente isolado.

Contudo, atos que corroboram que o testamento foi elaborado e assinado pelo declarante devem ser registrados e devem ser usados para auxiliar na confirmação post mortem, caso se confirme o evento.

E-mails e mensagens eletrônicas com amigos ou advogado de confiança sobre o conteúdo do testamento, fotos da assinatura e do local em que foi guardado o instrumento, além de vídeos complementares, podem reforçar a legalidade e a legitimidade desta espécie de testamento.

Passada a pandemia e a recomendação de isolamento social, a declaração excepcional, feita sem as formalidades legais dos testamentos ordinários, após 90 dias, perde a sua eficácia e, caso a vontade ali manifestada seja definitiva, deve ser novamente expressada em uma das modalidades tradicionais de testamento.

Nesse sentido é a previsão do Enunciado n. 611 da VII Jornada de Direito Civil: “O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias”.

Entende-se que o art. 1.879 traz pronta uma solução jurídica muito interessante para os que pretendem manifestar seus desejos em situação de pandemia e isolamento social.

Assim, nosso entendimento, é de que o instrumento já previsto em lei (art. 1789, Código Civil), embora possa ser aprimorado pelo legislador, já é capaz de resolver a questão inicial e propiciar às pessoas a realização de testamento válido, com flexibilização formal extraordinária, em tempo de Coronavírus.

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