Grupo em recuperação consegue suspender pagamentos de obrigações devido a coronavírus

Grupo em recuperação consegue suspender pagamentos de obrigações devido a coronavírus

Grupo em recuperação judicial conseguiu suspender pagamentos de obrigações e covenants previstos no plano recuperacional por 90 dias devido ao impacto da pandemia nas atividades empresariais. Decisão é do juiz de Direito Cláudio Augusto Marques de Sales, da 1ª vara de Recuperação de Empresas e Falências de Fortaleza/CE.

O grupo alegou ser fabricante e distribuidor de aço, portanto tende a sentir os efeitos da crise de modo mais intenso e prolongado, haja vista que as condições para seu pleno restabelecimento ultrapassam as fronteiras nacionais.

O juiz considerou que a realidade da pandemia tem se mostrado preocupante para as empresas em boa e saudável vida financeira e se evidencia alarmante para aquelas que foram surpreendidas pela crise em pleno processo de reestruturação e recuperação judicial.

“A conclusão de que a queda de 80% no faturamento das recuperandas no mês de março de 2020 evidenciam a impossibilidade momentânea do cumprimento das obrigações contraídas. O inadimplemento dessas obrigações poderá trazer como consequência a formulação de pedidos de execução/falência, com o consequente bloqueio de valores e/ou penhora de bens, que certamente lhes causar danos irreparáveis ou de difícil reparação, fatos que autorizam o deferimento do pedido em comento, notadamente quando se constata que elas vinha cumprindo rigorosamente o plano de recuperação judicial até o desencadeamento da crise causada pela pandemia.”

Sendo assim, o juiz deferiu pedido da empresa de conceder o prazo de cura de 90 dias para que sejam retomados os pagamentos das obrigações e covenants previstos no plano da Recuperação Judicial.

 

Segue a decisão na íntegra:

 

Processo nº:0131447-76.2017.8.06.0001

Classe Assunto:Recuperação Judicial – Concurso de Credores

Requerente e Credor:Wma Participações S.a. e outros

Requerido e Interessado:Posco Daewoo Coporation e outros

 

Em petição de fls. 11.497/11.508, as recuperandas pleiteiam que lhes seja concedida prazo de “cura” de 90 (noventa) dias para que sejam retomados os pagamentos dasobrigações e covenants previstos no Plano de Recuperação Judicial, em face da grave e inesperada crise que se abateu sobre suas atividades produtivas e comerciais em decorrência das medidas adotadas pelos poderes públicos no enfrentamento da pandemia do novocoronavírus.

Argumentam que, apesar da inexistência expressa de autorização legal para tal suspensão nos pagamentos das obrigações do plano, a base principiológica do sistemanormativo brasileiro de insolvência empresarial autoriza que medidas excepcionais sejam adotadas para preservar a empresa (e todos os benefícios sociais e econômicos advindos dela),quando eventos de força maior reduzam inesperada e abruptamente o faturamento da devedora em recuperação judicial, sem que está em nada tenha contribuído para tanto.

Entendem que o caso reclama a aplicação da teoria da superação do dualismo pendular, desenvolvida no Brasil pelo Professor Daniel Cárnio Costa, segundo o qual os ônus econômicos e sociais da recuperação judicial devem ser suportados entre credores e devedores de modo relativamente equilibrado.

Alegam, por fim, que a medida é essencial à manutenção dos milhares de empregos direitos gerados por suas atividades industriais e comerciais, bem como lembram que eventual convolação em falência nesse momento crítico do país não atenderá aos interesses dos credores e da sociedade, nem implicará em maximização do ativo, contrariando assim o fim último do instituto.

É o breve relato. Decido.

É fato público e notório, amplamente repercutido nos meios de comunicação, que a infecção causada pelo novo coronavírus (COVID-19) foi declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde.

Também é de conhecimento coletivo os graves efeitos deletérios que a patologia representa à saúde e à vida das populações dos países afetados.

Com a confirmação dos primeiros casos no Estado do Ceará, o Poder Executivo, visando incentivar o isolamento social da população, forma mais eficaz de limitar a propagação da doença, expediu decreto determinando, entre outras limitações, a interrupção do serviço de transporte rodoviário intermunicipal e o fechamento da grande maioria estabelecimentos públicos e privados, incluindo comércio, indústrias, igrejas etc (Decreto33.519, de 19 de março de 2020).

A situação excepcional sumariada acima, além de representar grave ameaça para a vida e a saúde coletiva, tem acarretado efeitos devastadores para a economia, atingindo desde as grandes atividades empresariais até as mais simples iniciativas empreendedoras. Não por outra razão, os Legislativos e os Executivos Federal, Estaduais e Municipais vêm laborando intensivamente na adoção de medidas de apoio financeiro aptas a minorar as consequências danosas da crise instaurada, visando sobretudo impedir uma quebra generalizada em todos os setores da economia.

Se a realidade tem se mostrado preocupante para as empresas que adentraram a presente recessão em boa e saudável vida financeira, ela se evidencia alarmante para aquelas que foram surpreendidas pela crise em pleno processo de reestruturação e recuperação judicial.

De outro turno, como a pandemia do novo coronavírus tem afetado os principais mercados mundiais, notadamente o “gigante” chinês, empresas que mantêm operações comerciais internacionais, tal como as do Grupo Aço Cearense, tendem a sentir os efeitos da crise de modo mais intenso e prolongado, haja vista que as condições para seu pleno restabelecimento ultrapassam as fronteiras nacionais.

Como bem lembraram as requerentes, o momento crucial e excepcional vividonos dias atuais realmente demanda algum processo de criação por parte do Magistrado queconduz processos de insolvência empresarial, sob pena inviabilizar a recuperação de determinados setores da economia. Assim, e mesmo não havendo norma expressa autorizandoa suspensão pleiteada, é possível extrair do princípio da preservação da empresa, norte, fundamento para estabelecer o assim chamado “tempo de cura”; ou seja, para assinalar um intervalo de tempo onde a ausência de pagamento dasobrigações do plano não implicará na consequência originalmente prevista pelo legisladorordinário: vencimento de todas as demais obrigações e a convolação em falência.

É verdade que tal medida acarretará algum prejuízo momentâneo para os credores concursais, os quais não receberão por determinado período o desembolso previsto.No entanto, a alternativa existente seria desastrosa para eles. De fato, o encerramento de atividades industriais e comerciais viáveis e promissoras como são as desenvolvidas pelassociedades do Grupo “Aço Cearense” não somente representaria uma suspensão nospagamentos por tempo superior aos 90 (noventa) dias, por conta da natural burocracia do processo quebra, bem como tornaria incerto o recebimento para alguns deles, notadamente os quirografários, diante da prioridade dos credores extra concursais e de credores concursais privilegiados. O custo social também seria enorme para a comunidade de atuais empregados e seus dependentes com o encerramento de milhares de postos de trabalho. As perdas também afetariam o erário, com o esgotamento dessa relevante fonte de arrecadação de impostos, o mercador consumidor, com a diminuição da oferta de produtos no setor do aço. Desse modo, e em atenção à divisão equilibrada dos ônus nos processos de insolvência empresarial, mostra-se razoável que os credores suportem essa suspensão no pagamento de seus créditos, por prazo determinado, e em prol de relevantes fatores sociais e econômicos. Corroboram esse entendimento a teoria da imprevisão encartada nos artigos317 e 393 do Código Civil, os quais, em interpretação sistemática, autorizam a modificação pelo Juiz no tempo do cumprimento das obrigações quando a situação motivadora da intervenção era imprevisível ao tempo do acordo de vontades (no caso dos autos, da aprovação do plano pela assembleia geral de credores), nem pode ser de modo algum atribuída às condutas das devedoras.

Com efeito, no dia de ontem (31/03/2020), o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na 307ª sessão ordinária, aprovou, por unanimidade, o Ato Normativo de nº 0002561-26.2020.2.00.0000, da relatoria do Conselheiro Henrique Ávila, o qual contempla orientações para todos os juízos com competência para julgamento de ações de recuperação judicial, em decorrência dos impactos dos econômicos do COVID-19. Dentre elas destaco: a) “autorizar a apresentação de plano de recuperação modificativo quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid-19, incluindo a consideração, nos casos concretos, da ocorrência de força maior ou de caso fortuito antes de eventual declaração de falência (Lei de Falências, art. 73, IV); e b) “avaliar com cautela o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020.”

O pleito das recuperandas objetiva autorização deste juízo para suspensão dos pagamentos das obrigações decorrentes do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, que encontra-se em fase de cumprimento, a fim de prevenir pedidos de execução/falências fundamentados no inadimplemento de tais obrigações.

Da leitura das peças que instruíram o pedido, é forçosa à conclusão de que a queda de 80% no faturamento das recuperandas no mês de março de 2020, decorrentes de motivos de força maior (determinações governamentais com vistas a conter a pandemia da COVID-19 e os impactos econômicos decorrentes destas determinações) por ela não previsíveis, evidenciam a impossibilidade momentânea do cumprimento das obrigações contraídas. O inadimplemento dessas obrigações poderá trazer como consequência a formulação de pedidos de execução/falência, com o consequente bloqueio de valores e/ou penhora de bens, que certamente lhes causar danos irreparáveis ou de difícil reparação, fatos que autorizam o deferimento do pedido em comento, notadamente quando se constata que elas vinha cumprindo rigorosamente o plano de recuperação judicial até o desencadeamento da crise causada pela pandemia.

Ante o exposto, defiro pedido formulado pelas recuperandas na petição de folhas 11.497/11.508, de modo a lhes conceder o prazo de “cura” de 90 (noventa) dias para que sejam retomados os pagamentos das obrigações e “covenants” previstos no Plano de Recuperação Judicial.

Intimem-se.

Providencie a Secretaria de Vara o cadastramento no Sistema SAJPG dos advogados constituídos pelas partes que peticionaram desde o último despacho.

Expedientes necessários.

 

Fortaleza/CE,01 de março de 2020.

 

Cláudio Augusto Marques de Sales

Juiz de Direito

 

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